terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Tomates

Tomates meteóricos balançando sobre o chão. Tomates hipnóticos, vermelhos, vivos, sanguinolentos. Num mundo marrom e cinza, o rubro rebola de um lado para o outro, flutuando incólume pelas desgraças, como se nada no mundo lhe coubesse que não fosse rebolar. Eles, tomates, no ar agora o que antes eram do chão, da terra, filhos da terra, como nós, humanos. Ambos pó, ambos sangue, ambos alimentos, ambos virtualizações da podridão. Da terra eles foram arrancados, das terras arrancadas de quem não tem terras. Tomates, são frutos, são comida, são fome pra quase muitos, são comida pra poucos, alguns que nem os comem. Tomates vermelhos, quase sinto seu cheiro a me atrair a mente. Não tenho fome, mas os desejo, mas os consumo, mas os quero na minha cabeça, me dizendo mais do que somos tomates. Somos todos tomates. Flutuando estranhos, perdidos, chamando, mordidos, morrendo a cada instante que somos e não somos devorados.

Em volta dos tomates uma sacola. Na ponta da sacola, uma mão. Continuado da mão, um braço. Colado ao braço, um corpo. Um corpo que anda. Um corpo feminino.

Porra, e eu aqui pensando na merda dos tomates.

P. G. Ferreira. Extraído do livro Diálogos melancólicos de um casto voyeur, 1989.