domingo, 17 de janeiro de 2010

DE VITAS BREVITATIS

DE VITAS BREVITATIS

Luxúria é carne viva pedindo trégua
em companhia suspeita exibindo-se no bar O Pinguelo de Ouro
piercing no umbigo da morte
words are flowling out like endless rain into a paper cup
furando todas as peles do Xamã
você me falava sobre as técnicas arcaicas do êxtase e eu me sentia um arco-íris de sapatinho amarelo
borboletas cagam assassinato nuclear
O cão com plumas
Liqueur fraises du bois deixa teu ânus macio como uma luva de veludo
Você é fresca porque nunca sonhou ser currada por animais
Carpas, Harpas, Farpas
Gil com voz de negrinho quilombola
Cheiro de cigano embaixo da pele
Se minha vida é errada ninguém tem nada com isso
bolhas de sabão
todo sangue é eterno como um peixe fora do aquário
cabaças lunares penetram nos ombros das moscas e eu aqui, plantando repolhos
impreciso e romântico
me fodendo até o final.

O picarianismo vive

A Crítica

Luxuriesca é aquela poesia que se preocupa menos com a estimulação das carnes enquanto a lemos do que com o êxtase estético e intelectual que as palavras – matéria vida da arte – despertam no público capacitado. Digo capacitado não por prepotência crítica, mas porque é característica da luxúria estimular não a todos, mas somente àqueles aos quais ela é direcionada especificamente – arte da sedução, arte da poesia.
Mas a poesia completa – e aqui encontramos o que existe de melhor no picarianismo – é luxuriesca por todos os lados que se olha, e é o que vemos quando olhamos para “De Vitas Brevitatis”, nesse errôneo latim que adocica os lábios dos famintos por desprezo à formalização da poesia vulgarmente chamada “erudita”.
Nessa humanização sem véus perfumados, a própria luxúria é vítima da luxúria – hipérbole sutil, de mestre -, envolvendo a alma do poeta por entre seus devaneios íntimos, as palavras que perfuram a pele cobertora do xamã, revelando suas vontades escondidas, seus sentimentos de sapatinho.
Mas se a sodomia agrada às vezes, a violação é sempre um desconforto, perfurando até atingir o poço da raiva, o que leva o poeta a revidar na mesma moeda gritando injúrias:
“Você é fresca porque nunca sonhou ser currada por animais”
Sempre a mesma humanidade desconfortada, infantil, a humanidade do foi ele quem começou, a chorar suas mágoas e a cantar seus dejetos, desejos – a humanidade da luxúria, e por isso mesmo eternamente lírica; o poeta como um espelho refletindo o que realmente somos: aqueles que pensam no mais básico e mais poético quando percebem a pequena vida correndo à todo vapor: a luxúria, com cheiro de cigano e de Cigano, de novo, sempre.
E é a todo vapor que ela passa, deixando apenas nossas vontades com tesão, sem que ao menos nos demos conta disso – sonhando com as cabaças lunares que passam, cometas brilhantes que se despedem, caudas em fogo que nos jogam de lá de cima toda essa luxúria, a velha luxúria humana que vive nos fodendo até o final.

sábado, 9 de janeiro de 2010

VIVA A MORTE DO MEU PAU

Ao Nabokov,
com carinho
seu puto.

De cócoras sobre o trem da advertência
Esquecido dos valores que me pregaram à cara
A saliva corroia o cândido dos teus seios
Metros e metros de gozos suprimidos
O silêncio denunciando a corrupção do ato
Tua pura pele manchada pelo prazer
Minhas rugas retornando a meninice
(olhos jovens olhos velhos)
Deixei-me flutuar enquanto tu descias
Egoísticamente
Um único tiro é que salva a vida
Não há resentimento nos desesperados

Tu sempre falavas demais.

A. C., bêbado velho e contente

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Tomates

Tomates meteóricos balançando sobre o chão. Tomates hipnóticos, vermelhos, vivos, sanguinolentos. Num mundo marrom e cinza, o rubro rebola de um lado para o outro, flutuando incólume pelas desgraças, como se nada no mundo lhe coubesse que não fosse rebolar. Eles, tomates, no ar agora o que antes eram do chão, da terra, filhos da terra, como nós, humanos. Ambos pó, ambos sangue, ambos alimentos, ambos virtualizações da podridão. Da terra eles foram arrancados, das terras arrancadas de quem não tem terras. Tomates, são frutos, são comida, são fome pra quase muitos, são comida pra poucos, alguns que nem os comem. Tomates vermelhos, quase sinto seu cheiro a me atrair a mente. Não tenho fome, mas os desejo, mas os consumo, mas os quero na minha cabeça, me dizendo mais do que somos tomates. Somos todos tomates. Flutuando estranhos, perdidos, chamando, mordidos, morrendo a cada instante que somos e não somos devorados.

Em volta dos tomates uma sacola. Na ponta da sacola, uma mão. Continuado da mão, um braço. Colado ao braço, um corpo. Um corpo que anda. Um corpo feminino.

Porra, e eu aqui pensando na merda dos tomates.

P. G. Ferreira. Extraído do livro Diálogos melancólicos de um casto voyeur, 1989.

sábado, 14 de novembro de 2009

Do triste fim de Alberto Cigano ou Ripples never come back

"Se Deus existe, Ele o abençoou com O Sexo, na literatura e no pau."
- Margareth Feijó, sobre suposto caso com Cigano, 1970.

"Cigano, anjo de dúvida, amargura do meu triste trópico."
- Dedé Schinneider, Ilha da Punheta: sobre a poesia do 1º Cigano, São Paulo: Ática, 1986.

"Uma vez, após uma noitada nórdica, eu perguntei quem ia pagar a conta, e ele respondeu: 'Tua mãe Pedro, que ela tá me devendo da vez que eu comi aquela vaca velha!'. Ele era assim, um tremendo filho da puta."
- Pedro Noiado, discurso no velório de Cigano.

"O cara é muito foda."
- Antonio Candido, nota escrita à mão em um exemplar de Seulement Picarianismo, 1984.

"Cigano, mi soledad florece.
ah, beber tua boca na minha taça
de gardênias, Cigano, deus-cadela
- manhosa que só ela."
- Soberba de la Flor, A Origem da Tragédia, 1979.

"Ele veio me perguntar se eu já tinha lido The Anxiety of Influence, e eu o mandei à merda."
- Heitor de Albuquerque, entrevista à Veja, 1991.

"Veja Cigano, por exemplo: nele encontramos aquilo que há de mais picariano, essa morbidez crítica de se saber eternamente latinoamericano."
Chico Goldmann, O Picarianismo como vontade & como representação, 1990.

"Conheci Alberto como se conhece os maiores mestres: vendo filme de putaria."
- Pedro Gabriel Ferreira, comentando a videografia pornô dirigida por Cigano, 1997.

"Quem tira onda é eu."
- Alberto Cigano, Mulheres de minha vida, 1965.

domingo, 8 de novembro de 2009

Luto

É com grande pesar que informo que morreu ontem, aos 64 anos, o poeta Alberto Cigano.

O corpo foi encontrado jogado na sala de seu apartamento em Itamaracá-PE, junto com uma garrafa vazia de Gim, 5 garrafões vazios de 5 litros de Carreteiro, 7 carteiras vazias de cigarro Hollywood verde e duas carreiras de cocaína não-cheiradas.

O poeta não mantinha mais contato com quase ninguém, além do seu velho amigo Pedro Noiado. Bastante triste, o amigo disse que Cigano andava muito decepcionado com o mundo: “Ele me ligava bêbado no meio da madrugada dizendo ‘Pedroca, finalmente caí na real, Lennon tava certo, Zappa tava certo, Heitor tava certo, porra, até Nietzsche tava certo, só aquele alemão barbudo feladaputa tava errado, caralho!’”.

Contudo, Noiado afirma que nos últimos dias Cigano aparentava estar um pouco mais animado, já que os dois estavam organizando um novo livro de poemas, já em fase de pré-publicação. “Era um projeto muito bom, como há muito tempo não víamos acontecer por aqui em Recife”, disse Noiado. Este afirma não saber se algo aconteceu para que Cigano tivesse entrado em depressão.

A causa da morte ainda não foi oficialmente confirmada, embora tudo leve a crer que se trata de uma overdose de vinho barato.

Junto com o corpo foi encontrado fragmentos do novo livro que estava escrevendo com Noiado e um roteiro já pronto de um filme pornô, provavelmente sua nova produção como diretor.

O Macaxeira Semiótica termina este triste post com o seu poema favorito de Cigano:

Autobiografia

Meu avô bordava rostos de Cristo em toalhas de mesa.

Minha avó bebia cachaça e ia jogar na roda de capoeira.

Dessa mistura improvável veio eu, tosco e mágico, feito chocalho de pajé.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Esta primavera não é

nenhuma Soberba que se cheire.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Premissas

.Oferta, a deslumbrante queimadura do sono

.Elevar o escatológico ao escatológico

.Nunca me chame pelo nome se não for
um nome de medo

.Casa Grande & Senzala