segunda-feira, 23 de março de 2009

TIRE O SEU SORRISO

TIRE O SEU SORRISO do caminho que eu quero passar, disse eu, querendo ao mesmo tempo falar tudo e nada, tateando lentamente no corredor das palavras obscuras, procurando nos seus olhos aquela dúvida que acompanha as interpretações incertas. Mas você na real apenas sorriu com sarcasmo, pois já sabia muito bem como é que as coisas se passavam deste lado: aleatórias. Influxo de inconsciência, me lembrei da técnica sem saber ao certo a qual dono pertencia, e você sabia exatamente que era assim que eu agia quando tentava explicar os motivos complexos que me levavam a detestar o seu maniqueísmo de espírito instintivo. Tudo na sua vida eram rolas e bocetas e ainda me vinha irônica dizendo que tinha respaldo científico assim como eu naquele velho judeu barbudo boqueteiro de charutos, e quando eu irritado falava o nome dele é Freu você cortava com um é, é foda, boa idéia, e me puxava me deixando puto da vida e duro como uma alma militar. Assim nunca saíamos dos seus domínios e era como ser um Prometeu com o fígado devorado todos os dias por um corvo sedutor que sabia morder do jeito certo nos lugares certos, cantando tristeza não tem fim felicidade sim e é por isso que nunca se deve esperar no deserto dos tártaros por uma qualquer coisa que te leve pra um teatro e ver uma peça do Brecht que te mostre a outra e/ou verdadeira realidade. Tire seu sorriso, mas você o mantinha simplesmente pra provar que eu estava errado em quase tudo no que eu insistia em especular e ler e interpretar, metafisicamente, dialeticamente, estruturalmente, psicanaliticamente, hermeneuticamente, fenomenologicamente, politicamente, socioeconomicamente, e todas as correntes do pensamento ocidental com as quais eu havia me deparado há um ou dois livros atrás, me irritando e me fazendo inquirir com violência quem você pensa que é pra me falar essas coisas ao que você me respondia sou tua louca tua escrava tua deusa tua guia e às vezes teu macho quando você começa com essa choraminguice schopenhaueriana e merece um vá-dar-meia-hora-de-cu, e eu sabia que nessa sua cabecinha maléfica você queria que eu fosse de verdade. Mas eu me vingava, ah eu me vingava, quando eu dizia enquanto você puxava aquele beck escroto que Arrigo Barnabé era melhor que Pink Floyd e Beatles juntos numa jam sesion nos anos 60 lotados de LSD só porque o campo harmônico que eles construía se estendia muito mais do que e você gritava calaaboca que eu quero viajar aqui quietinha na paz, e por dentro eu me ria e me chorava por saber que eu a havia tirado realmente do sério, tudo isso pra poder ficar só um pouquinho por cima que você não deixava nunca, nunca. Influxo de inconsciência, de quem era mesmo, meu deus, você rindo na minha cara, eu tentando achar um ponto nessa cena toda, algo que valesse alguma coisa em algum lugar, mas eu sabia, era verdade que eu sabia, que você sabia qual era o sentido de toda aquela cena e de todas as outras cenas do passado e do futuro, que era igual a chafurdar na lama do esgoto, era igual a tiro de 12 no peito, era igual a beber de fonte infindável, era igual a brilho de estrela, era igual a toda essa baixaria, era igual, era Amor.

Pedro Gabriel Ferreira
Garanhuns, março de 89

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